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Relações de gênero e economia feminista: posição das mulheres na agroecologia de países latinos.

Atualizado: 19 de set. de 2020

Resenha


As principais ideias contidas nos dois artigos em foco estão relacionadas com a força dos movimentos de mulheres camponesas na busca pela igualdade de gênero. Os textos trabalham diretamente sobre a agricultura ecológica e ressalta o trabalho feminino na manutenção deste tipo de agroecologia. O intuito das pesquisas foi demonstrar o desenvolvimento sustentável numa perspectiva de gênero. Os dois artigos demonstram pontos semelhantes na supremacia masculina, como a preferência aos homens como proprietários de terras e facilidade a eles na obtenção de auxílio financeiro do governo. É válido ressaltar que tanto em Cuba, país socialista, como no Brasil e México, capitalistas, as políticas sociais para mulheres são escassas, deixando-as sempre como subalternas aos homens e suas famílias. No mais, o intuito das pesquisas foi demonstrar o desenvolvimento sustentável numa perspectiva de gênero.

Os dois artigos estão divididos em seções, as autoras narraram o texto na terceira pessoa, mas para evidenciar algumas questões relevantes incluíram em algumas passagens depoimentos pessoais colhidos das mulheres que fizeram parte das pesquisas. As leituras são de fácil compreensão e os textos são incisivos no destacar o trabalho das mulheres e sua invisibilidade diante das relações de poder vivenciadas no campo agroecológico.

Maronhas, Schottz e Cardoso (2014) trazem os relatos de experiências de mulheres agricultoras do Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil a partir da realização de cinco oficinas de intercâmbio e sistematização realizadas nessas regiões com agricultoras, camponesas, agroextrativistas, quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, ribeirinhas, entre outras no período de 2008 a 2012. As autoras buscam refletir sobre as conexões entre a Agroecologia e o trabalho realizado pelas mulheres em agroecossistemas sob uma perspectiva feminista e a partir de uma análise do empoderamento e autonomia.

Lisboa e Lusa (2010) trazem para o debate as concepções de alguns autores sobre desenvolvimento sustentável a partir de uma pesquisa realizada no Brasil, México e Cuba, onde relacionam o protagonismo das mulheres no trabalho agrícola, evidenciam as conquistas realizadas pelos movimentos de mulheres camponesas, bem como, a criação de políticas públicas que garantem direitos a estas mulheres, que na maioria das vezes são invisibilizadas. O período de levantamento de dados deu-se entre setembro de 2008 a dezembro de 2009. Para efetivação do estudo foi realizada diversas visitas e entrevistas nas organizações e instituições que trabalham com o tema, bem como, realizaram entrevistas informais com mulheres agricultoras. As pesquisadoras também participaram de palestras e feiras agroecológicas, obtendo um rico conteúdo sobre mulheres no campo.

De acordo com a pesquisa das respectivas autoras o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) foi fundado na década de 1980 no estado de Santa Catarina, durante ditadura militar, elas afirmam que “nossa luta é para que as mulheres, juntamente com suas famílias, permaneçam no campo”. Principais objetivos: a) direito nas tomadas de decisão; b) garantia de direitos sociais para estas mulheres e suas famílias; e c) emancipação e autonomia feminina. Houve três grandes conquistas do movimento: a primeira e mais importante foi eleger uma mulher militante como deputada federal - Luci Choinacki; a segunda foi a implementação do salário maternidade as mulheres do campo (tal benefício só era concedido as mulheres trabalhadoras urbanas); e, pôr fim, a aposentadoria as mulheres trabalhadoras rurais (Luci, deputada federal, teve total influência nessa conquista).

Maronhas, Schottz e Cardoso (2014) relatam que em geral, as sistematizações de experiências no campo agroecológico, temas como a divisão sexual do trabalho, o planejamento produtivo, a autonomia política e econômica das mulheres acaba por não serem abordados, deixando evidente a necessidade de valorização das atividades desenvolvidas pelas mulheres na agroecologia. Enquanto buscam relacionar feminismo, agroecologia e o trabalho, as autoras, à luz da Economia Feminista, dedicam-se a categorização do trabalho como reprodutivo e produtivo. Apontam que as atividades desenvolvidas pelas mulheres, como as tarefas domésticas e o cuidado com a família, são consideradas atividades secundárias e não possuem valores econômicos, sendo caracterizado como um trabalho reprodutivo e visto como uma ajuda e não como trabalho. No entanto, as atividades desempenhadas pelos homens são caracterizadas como trabalho produtivo pois geram produtos com valores comerciais e são hierarquicamente mais valorizados.

As pesquisadoras Lisboa e Lusa (2010) realizaram os estudos, respectivamente nas cidades de Brasília e Chapecó/SC; Havana; Distrito Federal e San Cristóbal de Las Casas. No início do texto as autoras deixam claro as questões de pesquisa que desejam responder. Vejamos: há debate e divulgação sobre o papel das mulheres no meio rural?; quais as necessidades básicas que lhes atingem?; há políticas públicas para sanar possíveis problemas sociais? O texto evidência os problemas sociais e apresenta dados da ONU, onde constam que cerca de 70% da população pobre do mundo vive em zona rural, sendo eles pequenos agricultores e agricultoras. Esta pobreza justifica a migração das famílias do campo para a cidade. No campo elas não recebem apoio ou subsidio do governo, logo deixam suas terras em busca de uma vida melhor nos territórios urbanos.

O artigo é muito rico em citações, todas elas apresentam unanimidade ao afirmar a importância das mulheres no processo de desenvolvimento agrícola. O papel delas é essencial para a manutenção da produção de alimentos sustentáveis. Se faz necessário mencionar o pensamento de Vandana Shiva (1993) que demonstra preocupação na desvalorização e invisibilidade que as mulheres e as crianças possuem no meio agrícola.

No decorrer do texto as autoras propem “um desenvolvimento mais humano”, mas expõem o entendimento de Marcela Lagarde (1996) a qual possui uma prespectiva feminista e salienta que se as mulheres fossem incluídas no processo de desenvolvimento, a qualidade de vida e os alimentos teriam bons níveis de qualidade. Ela garante ainda que é necessário alterar as necessidades humanas dos homens, pois estas necessidades podem caracterizar meios de opressão as mulheres, bem como, deve também haver mudança nas necessidades nacionais e mundiais, para assim chegar a um “desenvolvimento” mais humano.

Dentre alguns pontos relevantes que as autoras acima apresentaram, necessário se faz mencionar que no México há uma lei “Ley de Aguas Nacionales”, na qual as mulheres não são reconhecidas como usuárias de água, apenas como consumidoras. A lei só garante o título de usuário aos proprietários de terras e, como não é possível as mulheres possuírem uma propriedade, logo são classificadas apenas como usuárias do recurso natural. O texto ainda questiona se as necessidades das mulheres camponesas são diferentes das dos homens. Ao tratar sobre desenvolvimento sustentável com análise de gênero é necessário estabelecer sugestões de intervenção no campo, ou seja, criar propostas de mudanças mais igualitárias. Um aspecto pertencente aos três países foi a dificuldade deles na distribuição igualitária das tarefas. Para as mulheres sempre recai os trabalhos domésticos, ou seja, cuidar das crianças, da manutenção da casa, dos idosos e doentes, enfim, todo trabalho que seja relacionado a questões familiares. Já ao homem cabe a responsabilidade de chefe da família, o tomador de decisões.

Fazendo uma reflexão das semelhanças e diferenças que Lisboa e Lusa (2010) apresentam entre os três países estudados, nota-se que basicamente seguem políticas sociais. Fica evidente que o princípio de bem-estar diverge no capitalismo e no socialismo, no primeiro seu seguimento é pela lucratividade econômica, e o segundo preza a igualdade. A pesquisa deixou claro a importância das mulheres na gestão dos recursos naturais, demonstrou que elas possuem um vasto conhecimento de ecossistemas, uma sensibilidade que vai desde o plantio até a colheita e venda dos alimentos. Por fim, as autoras finalizam afirmando que com a revolução cubana houve destaque na igualdade de classes, mas ainda há desigualdade de gênero, este está enraizado na cultura patriarcal do país.

Maronhas, Schottz e Cardoso (2014), nas oficinas, levaram as mulheres a refletirem sobre suas experiências de vida, fazendo-as perceber a desvalorização existente na relação de trabalho e a importância da participação delas nas associações, grupos produtivos, cooperativas, entendendo que o trabalho desenvolvido na agroecologia é fundamental para sua autonomia econômica, fortalecimento dos grupos produtivos, geração de renda, valorização e construção de suas identidades como agricultoras fortalecidas. A participação das mulheres nos espaços políticos, o acesso à informação, a autonomia econômica foram elementos ressaltados nas oficinas como fundamental para a superação da divisão sexual do trabalho e desigualdade de gênero. Tais conclusões podem ser notadas em um dos relatos advindos das oficinas:

A sistematização vai me guiando, vai me direcionando a um caminho. E, sendo assim, nunca vou esmorecer, porque vou olhando para trás e vou vendo que fiz alguma coisa. E quando isso se trata de mulheres, a importância das sistematizações é muito maior. Porque nós, mulheres, não sabemos a importância do nosso trabalho. Sistematizar as experiências ajuda a mostrar pra gente e pra todo mundo o valor dos nossos trabalhos. A gente se sente estimulada a não parar, porque a gente olha e diz: Nossa! Eu já fiz isso tudo, tenho que continuar. Então, escrever o que se faz anima a mulher. A gente sabe que nas estórias das mulheres não é muito comum ter sistematizações que falam das vidas delas. Diferente dos homens, a gente sabe que tem um monte de livros que contam coisas boas que os homens fazem, descobrimentos, invenções. E onde estão as mulheres? Eu não tenho hábito de escrever, e isso é muito ruim para as mulheres. Nós, mulheres, já avançamos em um monte de coisas. Mas, não temos hábito de escrever. E agora eu estou entendendo que, quando a gente não escreve, a gente se perde. Então o trabalho da sistematização é uma coisa importante, porque vai dando força para quem está fazendo. E a outra que ainda não fez vê o exemplo do que a outra está fazendo e pensa: ‘Eu também sou capaz! ’. E isso pode mudar a vida de uma mulher. (Valdeci, quilombola da Associação Quilombola de Conceição das Crioulas, Salgueiro, PE).

Os artigos possuem um conteúdo de extrema relevância para os estudos que envolvem questões de gênero. Os problemas que as mulheres do campo enfrentam, na maioria das vezes, são invisíveis para o restante da sociedade, os textos em questão trouxeram questionamentos às invisibilidades das mulheres agrícolas. Importante ressaltar que a pesquisa de Lisboa e Lusa (2010) concluiu que nos três países (Brasil, México e Cuba) as mulheres ainda são instadas como subalternas aos homens. Evidenciou que, ao contrário do que muitos pensam, o trabalho rural é muito bem executado por elas, que, inclusive, possuem maior conhecimento do ecossistema, mantendo assim a agroecologia viva.

Por fim, recomenda-se a leituras dos artigos resenhados às pessoas que buscam entendimento e compreensão sobre igualdade de gênero em qualquer lugar ou setor de trabalho. Tendo em vista que as autoras ao abordarem os elementos que condicionam a posição social das mulheres no campo, destacam que elas precisam se reconhecer enquanto sujeitos com autonomia, que estão no centro do desenvolvimento da agroecologia e desenvolvem atividades essenciais como, por exemplo, a produção de alimentos saudáveis que contribuem para segurança alimentar e nutricional. Estas pesquisas são de suma importância e envolve todos os indivíduos da comunidade, como também uma ação libertadora e capaz de fortalecer o processo de empoderamento feminino, pois evidencia um trabalho que vai além do trabalho doméstico.

Pontuamos a seguir as áreas de atuação de cada autora, bem como, suas respectivas titularidades para compreendermos suas concepções sobre igualdade de gênero a partir da atuação nos movimentos de mulheres camponesas.


Teresa Kleba Lisboa é Pós Doutora pelo Programa Universitário de Estudos de Gênero da Universidade Autónoma de México. É Coordenadora do Instituto de Estudos de Gênero (IEG/ UFSC) e integrante do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Saúde, Sexualidade e Relações de Gênero (NUSSERGE/UFSC).

Mailiz Garibotti Lusa é Mestre e Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Suas principais áreas de atuação são as seguintes: Serviço Social e espaço rural; lutas sociais e movimentos sociais camponeses; formação profissional e fundamentos do Serviço Social; gênero, divisão sexual do trabalho e políticas públicas de gênero.


Maitê Maronhas é Mestranda em Ciências Ambientais na Universidade Federal Rural de Pernambuco/UFRPE. Atua nas áreas de Agroecologia, Convivência com o Semiárido, tecnologias de captação de água de chuva para produção de alimentos, conservação de sementes crioulas, metodologias participativas e campesino a campesino (intercâmbios), trabalho produtivo e reprodutivo, autonomia, gênero, mulheres e feminismo.

Vanessa Schottz é Doutora em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pelo CPDA/UFRRJ (2017). É pesquisadora associada ao Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional (CERESAN) e membro do Conselho Consultivo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (RBPSSAN).


Elisabeth Cardoso é estudante do Doctorado en Recursos Naturales y Gestión Sostenible - IDEP - Instituto de Estudios de Postgrado na Universidad de Córdoba na Linha de Pesquisa: Biodiversidade e Agroecologia. Atualmente é Coordenadora técnica do CTA/ZM, Coordenadora do Programa Mulheres e Agroecologia do CTA/ZM e Coordenadora do Grupo de Trabalho de Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia - GT Mulheres da ANA.


 

REFERÊNCIAS


LISBOA, T. K; LUSA, M. G. Desenvolvimento Sustentável com Perspectiva de Gênero – Brasil, México e Cuba: mulheres protagonistas no meio rural. Estudos Feministas, Florianópolis, 16(3): 336, setembro-dezembro/2010. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ref/v18n3/v18n3a13.pdf Acesso em: 10 de julho de 2020.


MARONHAS, Maitê; SCHOTTZ, Vanessa e CARDOSO, Elisabeth. Agroecologia, Trabalho e Mulheres: um olhar a partir da economia feminista. 18ª REDOR. UFPE, 2014. Disponível em: http://www.ufpb.br/evento/index.php/18redor/18redor/paper/viewFile/1955/877 Acesso em: 10 de julho de 2020.


 

O texto é de autoria de:


Beatriz Miro Rouce Pradines de Menezes¹

Evilma dos Santos Oliveira²


¹Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Tecnologias e Políticas Públicas – UNIT/AL

²Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Tecnologias e Políticas Públicas – UNIT/AL



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